Em um churrasco no quintal em San Pedro, Argentina, em maio ado, Rafael Flaiman avistou um amigo usando um blazer azul claro que parecia um pouco sofisticado demais para a ocasião. Ele provocou um pouco o cara. “O que há com a jaqueta?”, perguntou Flaiman.
“La China paga”, respondeu o amigo, com um sorriso triunfante.
La China? Flaiman cresceu em San Pedro, uma cidade ribeirinha de 70 mil habitantes, e por 16 anos ele foi repórter do La Opinión, o jornal local. Mas ele nunca tinha ouvido falar de alguém chamada La China — espanhol para a mulher chinesa — e não fazia ideia de por que ela teria comprado um blazer novo bacana para o seu amigo. Um punhado das 20 pessoas no churrasco, acabou que, sabia tudo sobre essa figura misteriosa e estava ansioso para explicar a maneira singular como ela os fez ganhar dinheiro.
Todas as noites de semana, por volta das 21h, eles disseram que La China aparecia no canal do Telegram de uma corretora de criptomoeda chamada RainbowEx. Lá, ela enviava instruções para comprar algum tipo de cripto — invariavelmente uma obscura e pouco negociada, conhecida na indústria como memecoin — a um preço específico. A mesma mensagem dizia para vender a moeda quando ela alcançasse um certo preço mais alto, o que sempre acontecia logo após.
Era tão regular quanto um relógio. Todos na RainbowEx compravam a moeda, o valor da moeda subia, todos vendiam. O saldo nas contas RainbowEx deles aumentava.
Ninguém sabia quem era La China, onde ela estava ou se ela realmente existia. Ela era apenas uma fotografia de uma jovem mulher asiática no canal do Telegram da RainbowEx. O cara com o blazer novo tirou seu telefone e mostrou a Flaiman fotos de compras habilitadas por La China feitas por locais. Um carro, uma motocicleta, uma televisão. Algumas pessoas estavam reformando suas casas.
Essas foram grandes extravagâncias em San Pedro, um lugar conhecido por uma safra anual de laranjas, uma grande fábrica de papel e pouco mais quando se tratava de oportunidades de ganhar dinheiro. Não que outras partes do país estivessem prosperando. Por décadas, a Argentina sofreu com episódios de hiperinflação e dois anos atrás a taxa anual estava em assustadores 211% (nos Estados Unidos, está em 2,8%). Mais recentemente, a taxa caiu para cerca de 67%, o que por aqui é considerado um alívio bem-vindo.
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Alguns no churrasco naquela noite pensaram que a RainbowEx poderia ser muito mais do que apenas uma maneira nova de conseguir um casaco elegante. Poderia ser a base de uma economia alternativa, criando lucros que são invisíveis e não tributados. La China poderia fornecer segurança econômica, tendo sucesso onde o governo falhou.
Havia céticos na festa também. Investidores da RainbowEx recebiam 20% dos lucros ganhos pelos novatos que recrutavam, uma característica clássica de um esquema de pirâmide. Além disso, a corretora pretendia oferecer retornos de até 2% ao dia, o que daria aproximadamente 137.000% ao ano. Números fantásticos.
O sentimento, assim como La China, logo se tornou viral. Nos meses seguintes, quase um quinto da população de San Pedro, cerca de 16 mil, investiria na RainbowEx, investindo dezenas de milhões de dólares na corretora. Um morador disse que, em setembro de 2024, as ruas estavam silenciosas às 21h porque todos estavam esperando pela última dica.
Eventualmente, a pequena San Pedro se tornaria uma história nacional e relembraria uma lição tão antiga quanto o dinheiro: as pessoas que acham que estão à beira de uma riqueza que muda a vida acreditarão em quase qualquer ficção. E no coração dessa ficção estava um personagem que parecia feito sob medida para o momento.
“La China estava em nossa mira por um tempo”, disse Berardi em uma entrevista recente, “mas como você avisa pessoas que não querem ser avisadas?”
Um Talento para Histórias Excêntricas
A Argentina tem sido um foco de escândalos financeiros por anos. Até mesmo Javier Milei, o presidente do país, foi manchado. Em fevereiro, ele promoveu brevemente uma memecoin, possivelmente o instrumento financeiro mais desacreditado da era digital. $Libra, como é conhecida a moeda, colapsou logo após Milei falar bem dela no X. Pequenos investidores perderam cerca de US $250 milhões. (O presidente deletou seu post e ordenou uma investigação.) Esquemas de enriquecimento rápido surgem constantemente, visando todos, desde feministas até fãs de Lionel Messi.
San Pedro, segundo os locais, é terreno fértil para vigaristas. Antigo polo de comércio agrícola, situa-se no Rio Paraná, a cerca de 160 km a noroeste de Buenos Aires, e tem um centro urbano caminhável, em formato de grade, com uma sorveteria em quase todos os quarteirões e cães vadios cochilando nas calçadas. É pequeno o suficiente para que todos pareçam conhecer todos.
Berardi, de 65 anos, é a grande dama da mídia dessa rede social. Em uma entrevista recente no escritório de La Opinión, ela usava um vestido estampado estilo caftã e um colar de corda, emitindo uma serenidade de mãe Terra que, a julgar pela evidência de sua carreira, esconde camadas internas de aço.
Filha de um imigrante italiano, ela nasceu em San Pedro e inicialmente direcionou-se para uma carreira em direito. Em 1983, quando a ditadura militar da Argentina terminou, uma imprensa livre começou a florescer e dois anos depois ela juntou-se à equipe da única estação de rádio da cidade. Ela fundou La Opinión em 1992. A versão impressa foi uma vítima da covid, em 2020. La Opinión agora opera um site e um programa semanal de rádio e streaming, apresentado por Berardi, com um público local fiel.
Os escritórios são um labirinto de pequenos quartos bagunçados localizados em uma rua lateral no centro. Nos fundos, há uma exposição ao estilo museu da história de La Opinión, exibindo máquinas de escrever, celulares e outros equipamentos da profissão, além de prêmios. Histórias são encrustadas nas paredes. A operação toda hoje tem nove funcionários pagos. O dinheiro continua curto. Um dos quartos foi transformado em um alojamento para turistas por US$ 70 o fim de semana.
Enquanto boa parte de La Opinión é rotineira — uma história recente foi publicada com o título “Ele deixou sua bicicleta no pátio da escola e ela foi roubada” —, San Pedro tem um talento para produzir grandes e excêntricas histórias. Em 2007, foi a história de um nacional jamaicano e empreendedor autodenominado chamado Max Higgins, que arrecadou dinheiro para o que ele dizia ser o primeiro parque temático da Disney na América do Sul, chamado Disney Mundo, nos arredores da cidade. Ele revelou o plano depois de pousar de helicóptero no suposto local do futuro parque, ladeado por homens vestidos com trajes do Oriente Médio, ditos serem parceiros dos Emirados Árabes Unidos.
Berardi lembrou de estudar as fotos do evento e notar que os lenços na cabeça dos orientais pareciam muito com toalhas de mesa. O esquema desmoronou pouco depois de a Walt Disney Co. anunciar que nunca tinha ouvido falar de Max Higgins, e La Opinión publicou histórias sobre empreiteiros que reclamaram de não terem sido pagos. Cerca de 5 mil pessoas, a maioria da América Central, perderam seu investimento. Higgins foi descoberto depois, descalço e sem-teto em um parque de Buenos Aires, carregando uma maleta. Reportagens em outubro do ano ado informaram que ele havia sido internado em um hospital psiquiátrico.
Quando Berardi e Flaiman ouviram falar sobre La China, eles pensaram imediatamente em Disney Mundo. Esse projeto estava fadado ao fracasso desde sua concepção, uma mentira tão pública e ousada que é difícil entender por que Higgins achou que daria certo. E, no entanto, alguns residentes de San Pedro estavam irritados com La Opinión. Eles haviam imaginado milhares de empregos e ondas de visitantes, uma visão tão atraente que ressentiam qualquer um que tivesse arruinado o sonho.
O caso La China foi muito mais complicado. Disney Mundo era a promessa de uma fortuna não realizada. RainbowEx, parecia, já estava pagando. E à medida que o verão avançava, o número de investidores locais continuava aumentando.
“Em maio começamos a reunir informações”, disse Flaiman. “E no meio dessa coleta de informações, sabíamos que estávamos correndo riscos.”
Os repórteres rapidamente descobriram que o marco zero para RainbowEx era a força de trabalho na Papel Prensa, uma fábrica de papel e o maior fornecedor de papel-jornal do país. Alguns homens lá começaram a se autodenominar representantes locais de uma fundação chamada Consórcio Knight, supostamente sediada em Cingapura e que dizia ter ligações com a RainbowEx.
A natureza dessas ligações nunca ficou totalmente clara, mas o Consórcio Knight deu à RainbowEx uma face tranquilizadora e civicamente engajada. Cinco por cento dos lucros da corretora, disse o consórcio, financiariam bancos de alimentos locais e forneceriam uniformes para equipes de futebol juvenil. Para garantir que a organização recebesse crédito por essa generosidade, ela colocava bandeiras e flâmulas com o logo da fundação ao lado de tudo que patrocinava. RainbowEx não era apenas um meio de enriquecer, era a mensagem. Era também um sistema de bem-estar social paralelo.
A notícia dessa generosidade espalhou-se rapidamente, superada apenas por murmúrios sobre os retornos da RainbowEx. Carlos Rodriguez, um inspetor de veículos de 66 anos, lembra que amigos estavam comprando novas TVs, novas máquinas de lavar. Açougues estavam se esgotando de carne para churrascos.
Rodriguez tinha suas dúvidas, mas seu neto o instigou. Coloque um pouco. Veja o que acontece. Em algum momento, ele começou a pensar que seria o único cara na cidade sem um telhado reformado. No final, ele investiu US$ 1,7 mil — na economia dolarizada da Argentina, todos falam em dólares americanos —, uma soma significativa para ele.
“Todo dia meu neto me dizia, você ganhou US$ 13, você ganhou US$ 15, você ganhou US$ 17”, ele disse, sentado em um restaurante Howard Johnson numa manhã. “Estou me preparando para a aposentadoria e pensei, eu poderia fazer US$ 1,5 mil por mês com isso.” Isso dobraria sua renda de aposentadoria mensal.
Entrar para a RainbowEx foi fácil, até para novatos em cripto como Rodriguez. Primeiro, eles baixaram o aplicativo de um site — ele nunca apareceu nas lojas de aplicativos da Apple ou do Google. Então, visitaram uma das instituições de empréstimos privados locais chamadas financeiras. Um atendente lá converteria pesos argentinos em Tether, uma criptomoeda atrelada ao dólar americano. Qualquer um com dinheiro e um celular poderia entrar em uma financeira e sair pronto para negociar.
Em setembro, La China tinha um público cativo em San Pedro. As pessoas vendiam posses ou pegavam empréstimos para aumentar seu saldo na RainbowEx. Jogos de futebol noturnos pausavam para os intervalos de La China. Algumas pessoas na fábrica de papel ganhavam tanto dinheiro, que largavam seus empregos.
‘Juntos nos apoiamos’
Um fenômeno tão grande não poderia ser contido aos limites da cidade. Um desenvolvedor web de Buenos Aires e jornalista investigativo em tempo parcial chamado Maximiliano Firtman, que tinha investigado golpes financeiros, começou a receber dicas sobre San Pedro. Em 15 de setembro, ele postou uma espécie de alerta no X:
“Me disseram que em San Pedro, província de Buenos Aires, metade da cidade está viciada em um esquema Ponzi (uma operação tipo pirâmide) que alega render 1,5% ao dia.”
Embora a postagem não tenha ganhado muita atenção, Berardi e Flaiman notaram. Eles ainda não haviam publicado uma palavra sobre La China. Em uma entrevista recente, eles ofereceram várias razões. Eles não estavam 100% certos de que era um golpe. Faltavam-lhes meios para um mergulho investigativo profundo. Eles estavam ocupados com outras histórias.
Ir contra o Consórcio Knight também significaria atacar uma organização que tinha a aura de um Robin Hood. E havia isso: eles estariam escrevendo sobre seus amigos.
“Maximiliano Firtman poderia dizer que todos que investiram na RainbowEx são idiotas”, disse Flaiman. “Bem, esses idiotas são meus vizinhos. Eles jogam basquete comigo, eles estão na fila do supermercado comigo. Eu poderia dizer, ‘Todos vocês são idiotas’? Não, esse não era o meu lugar.”
Os repórteres ainda não haviam percebido quão grande La China havia se tornado, disseram eles. Mas se tornou impossível ignorar por causa de um evento que ocorreu em 21 de setembro. Naquela noite, o Consórcio Knight realizou uma gala elegante e bem vestida no Hotel Emperador em Buenos Aires. Uma gravação de vídeo no canal de Telegram da plataforma capturou uma refeição sentada frequentada por algumas centenas de investidores da La China. O entretenimento incluiu dançarinos de tango profissionais, cantores e um grande conjunto de banda.
Tudo sobre o evento sugeria que o Consórcio Knight tinha bolsos fundos e líderes impressionantes. Dizia-se que La China estava muito ocupada para comparecer, mas dois executivos elegantemente vestidos — Timothy Murphy, o diretor de marketing, e Jeremy Jones, o diretor de operações — deram discursos e entregaram cheques e placas de ouro para os recrutadores mais prolíficos do esquema. Eles posaram em frente a um grande pano de fundo estampado com as palavras “Juntos nos apoiamos, juntos brilhamos”, tanto em espanhol quanto em inglês.
Firtman estudou um vídeo do evento e analisou imagens dos executivos, que foram apresentados como americanos, através de um software de reconhecimento facial. Um deles correspondeu parcialmente a um ator polonês chamado Filip Walcerz, o outro era uma correspondência perfeita para outro ator polonês, Maurycy Lyczko.
A descoberta deu a Firtman um agradável choque. Mais conhecido por escrever e lecionar sobre software, Firtman, que tem 44 anos, nos últimos anos transformou o estudo de golpes financeiros em uma espécie de hobby. Ele pode ar horas a fio em modo de farejador uma vez que descobre um odor intrigante. Quando estudou o código da RainbowEx, ele fez uma descoberta surpreendente: todas as negociações nela eram falsas. As trocas noturnas de Tether por memecoins através da corretora de criptomoedas eram pura encenação.
Mais tarde, isso se provaria uma revelação desanimadora para pessoas que pensavam estar envolvidas em uma atividade de ponta — negociação de criptoativos. Na verdade, além de adquirir Tether, não havia compra ou venda de cripto e nenhum lucro. Os saldos das contas das pessoas subiam apenas porque quem istrava a RainbowEx estava manipulando os números.
a Era tudo uma simulação elaborada, uma que sobrevivia com novos recrutas. Os retornos que permitiam aos investidores comprar novos aparelhos de ar-condicionado era apenas dinheiro desviado das contas das novas vítimas. Como todo esquema , estava fadado ao fracasso.
Em 1º de outubro, Firtman falou em um programa de rádio nacional sobre suas descobertas. No dia seguinte, La Opinión publicou sua primeira história sobre La China. “Representantes do Consórcio Knight em San Pedro garantem que ‘isso não é um golpe’” dizia a manchete, que citava esses representantes, anonimamente, soando desesperados e irritados.
Se essa história inicial pisou leve, foi seguida, em 5 de outubro, por um artigo que chamava a RainbowEx de esquema de pirâmide. Dois dias depois, o Clarin, o maior jornal da Argentina, publicou uma história de Firtman afirmando que os dois “executivos” do Consórcio Knight eram na verdade atores poloneses, um dos quais havia aparecido em novelas e dramas espanhóis e poloneses.
Isso resolveu a questão. Uma rede de TV nacional logo apareceu em San Pedro para fazer entrevistas com pessoas na rua sobre La China. Na manhã seguinte, repórteres de rádio e televisão de todo o país estavam enxameando a cidade. San Pedro tinha se tornado notícia nacional.
De repente infame, a RainbowEx bloqueou investidores que tentavam retirar seu dinheiro. Na semana seguinte, La China anunciou que a corretora poderia ser forçada a sair do país e se relocaria para um novo site, chamado Rainbow PRO. Envie US$ 88 em Tether, ela instruiu, ou sua conta será desativada. Cerca de 2,6 mil pessoas pagaram este resgate, um total de mais de US$ 220 mil. Isso também desapareceu.
À medida que os investidores da La China perceberam que seu investimento original e seus lucros falsos haviam desaparecido de vez, eles não focaram sua raiva na elusiva La China. Eles culparam os repórteres de La Opinión.
Nas redes sociais, cartazes anônimos alegavam que Berardi e seu marido eram investidores da RainbowEx que maliciosamente retiraram seu próprio dinheiro logo antes de afundar toda a empresa. Um chamador anônimo prometeu enterrá-la. Alguém postou este aviso nas redes sociais: “Se nossos caminhos se cruzarem na rua, eu vou te matar.” Ela registrou uma reclamação no tribunal local e dormiu com as janelas abertas, disse ela, para ouvir melhor os invasores.
“Mas ninguém veio”, disse ela. “Online, todos são corajosos.”
Em meados de outubro, um hacker anônimo postou na dark web um banco de dados com milhares de nomes de investidores da La China e um livro contábil mostrando quanto cada pessoa investiu e quanto retiraram (se retiraram). La Opinión publicou informações desse hacker e compartilhou o banco de dados com as autoridades.
Descobriu-se que membros do Conselho Municipal tinham colocado dinheiro na RainbowEx. Assim como uma turma inteira de uma escola secundária local. Assim como o chefe de polícia. Algumas pessoas retiraram US$ 100 mil ou mais. Muito mais acabaram com perdas, em média cerca de US$ 2 mil. Alguns perderam todas as suas economias de vida.
Muitos estavam irritados em se despedir de seus enormes “ativos” da RainbowEx, tão fictícios quanto eram. Federico, um músico na casa dos 30 anos, que estava ansioso para manter sua privacidade e falou apenas sob a condição de que seu sobrenome não fosse usado, estava prestes a embolsar alguns milhares de dólares quando a RainbowEx fechou.
Ele participou mesmo sabendo meses antes que a RainbowEx era uma farsa, disse ele uma tarde sentado em um restaurante em San Pedro. Todas as “negociações” aconteciam na corretora e, em algumas noites, Federico observava os movimentos reais de cripto que La China havia recomendado comprar. Na blockchain — o que significa, na realidade — as moedas não se moviam. O aumento que os fãs da La China viam era falso. Ainda assim, ele se apegou à esperança completamente irracional de que os lucros em sua conta da RainbowEx fossem reais.
“Eu ainda estou chorando sobre isso”, ele disse, forçando um sorriso.
‘Não fui eu que te enganei’
Em 19 de dezembro, o escritório do promotor em San Pedro realizou operações de busca em 22 locais e prendeu sete pessoas. Entre os detidos estava Luis Pardo, um homem de 31 anos que outrora trabalhou na fábrica de papel. Ele foi relatado como um dos primeiros a se juntar à RainbowEx, e ele participou do gala de setembro; no vídeo do evento, ele está segurando uma placa e sorrindo ao lado de um dos atores poloneses. Registros mostrariam mais tarde que Pardo retirou mais de US$ 200 mil do esquema.
Paulo Cordara, advogado de Pardo e de outra pessoa presa, foi entrevistado no rádio por Flaiman em dezembro e disse que seus clientes não criaram o Consórcio Knight, não têm ideia de quem criou e meramente recomendaram que outros investissem na RainbowEx porque funcionou para eles.
“Eles não sabiam que isso era um golpe”, disse Cordara, “e acabaram sendo vítimas que também foram enganadas.”
Pardo e outros dois moradores de San Pedro permanecem na prisão, acusados de fraude. A promotora, Maria del Valle Viviani, disse em uma entrevista que ela considera os três como peças essenciais no esquema. Ela tem até o final do ano para concluir sua investigação. Cerca de US$ 3,5 milhões em Tether foram apreendidos, e US$ 46 milhões estão desaparecidos.
Ninguém parece saber onde está. A mulher cuja imagem foi usada como La China se pronunciou de Taiwan para dizer, via sua conta no Instagram, que sua foto havia sido roubada e que ela não sabe nada sobre a RainbowEx.
“Não sou quem que enganou você”, ela escreveu.
Os atores poloneses contratados para interpretar os executivos do Consórcio Knight foram pouco mais úteis. Eles disseram que ficaram pasmos ao descobrir que tiveram uma participação em uma fraude, o que descobriram quando Firtman os contatou via Instagram no início de outubro. Como explicaram em uma entrevista postada no YouTube, a dupla foi contratada por uma mulher chamada Ashli de uma agência de talentos asiática, com quem um dos homens havia trabalhado anteriormente. Os dois foram convidados a voar para Buenos Aires para um trabalho de atuação, que lhes rendeu US$ 1,5 mil em cripto.
Isso é o que fazemos para viver, eles explicaram, falando da Polônia, soando angustiados e apologéticos. Somos atores. Interpretamos um papel, lendo falas escritas por outra pessoa. Nunca enganamos conscientemente.
Firtman inicialmente estava cético. Ele se convenceu quando viu que os atores aram alguns dias em Buenos Aires e postaram fotos de seu eio pela cidade em suas contas pessoais do Instagram. Uma foi anexada com #Relax. As autoridades, aparentemente considerando que os dois estavam alheios ao esquema, mostraram pouco interesse em interrogá-los.
Mesma fraude, logotipo diferente
No início de outubro, enquanto Berardi buscava um melhor entendimento da mecânica da RainbowEx, ela entrevistou em seu programa de rádio um especialista em ameaças cibernéticas chamado Mauro Eldritch, natural de San Pedro e que atualmente mora no Uruguai. Ele disse aos ouvintes que a plataforma de troca era uma confusão altamente vulnerável. Desde então, ele aprendeu muito mais.
RainbowEx é uma versão de um golpe que surgiu ao redor do mundo, disse ele em uma entrevista recente, utilizando uma plataforma de software quase idêntica a cada vez. Ele encontrou iterações na África, Europa, Ásia e América do Norte, onde exemplos surgiram no Alabama e no Estado de Washington. Atualmente, existem pelo menos 200 versões ativas, disse Eldritch em uma entrevista por telefone. Cada uma tem um nome diferente e muitas têm personagens ao estilo La China emitindo instruções sobre cripto. Em uma variante agora expirada na Itália, a persona La China foi chamada de Dolly.
“Basicamente, são todos o mesmo produto”, disse Eldritch, “com diferentes contextos, designs diferentes, logos diferentes.”
Ele rastreou o modelo original dessas “trocas de cripto” até um site chinês de desenvolvimento web chamado DCloud, onde foi carregado em 2021. Na época, era a estrutura para um aplicativo de cripto básico e legítimo; as partes que facilitam a fraude foram adicionadas por outros. Muitos outros, na verdade.
O golpe parece ser conduzido por uma gama descentralizada de fraudadores, sem nenhuma coordenação aparente. No caso da RainbowEx, determinar quem são os responsáveis e prendê-los tem se mostrado um desafio. As autoridades argentinas pediram à Interpol a prisão de dois malaios, cujos nomes não foram divulgados. Eles também estão procurando por milhões de dólares em cripto que desapareceram das contas de San Pedro.
A melhor suposição de Eldritch é que a plataforma é disseminada como um vírus em diferentes comunidades, onde então é ada de uma pessoa para outra. (Muitos recebem uma variação do Consórcio Knight para ajudar a dar legitimidade.) Havia investidores da RainbowEx em outras cidades da Argentina, mas em nenhum lugar ela prosperou tanto quanto em San Pedro. O lugar era grande o suficiente para atingir uma massa crítica e pequeno o suficiente para se espalhar rapidamente. Também tinha a combinação certa de confiança e desespero.
Hoje, a cidade tem uma nova divisão — ganhadores e perdedores. Milhares de dramas pessoais se desenrolaram silenciosamente. Esposas descobriram que maridos haviam mentido sobre a quantia que investiram, e vice-versa. Pessoas tiveram de pedir desculpas a amigos e parentes que haviam recrutado.
Carlos Rodriguez, o inspetor de veículos, perdoou seu neto por envolvê-lo. Rodriguez percebe que o dinheiro do seu próprio bolso ajudou a pagar por uma nova casa construída por um conhecido. Como muitos vencedores, o cara com a nova casa está mantendo um perfil discreto, por alguma combinação de culpa ou medo, presume Rodriguez.
“Mas eu não estou zangado”, ele disse. “Eu deixei pra lá. É uma experiência. Uma experiência ruim.”
Berardi ainda está tentando entender o triste rastro que La China deixou em San Pedro. Ela não sabe se as relações na cidade vão se curar completamente. E duvida que lições importantes tenham sido aprendidas.
Uma mulher local recentemente lhe disse que havia investido em algo chamado CryptoMaster, tentando recuperar o que havia perdido com RainbowEx.
O CryptoMaster já entrou em colapso.
c.2025 The New York Times Company
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