O homem de Trump na economia e ex-operador de Soros que procura ‘dar lógica’ às ideias do chefe

Em meio ao “tarifaço” imposto aos países com os quais os Estados Unidos mantêm relações comerciais e às turbulências causadas pela medida no comércio e nos mercados globais, o presidente americano, Donald Trump, tornou-se alvo de uma saraivada de críticas disparadas de todos os lados.

“O Trump é imprevisível. Muda de ideia o tempo todo”, disseram alguns analistas. “É um show de amadorismo. Ele não sabe o que o que faz”, afirmaram outros. “É a guerra comercial mais burra da história. Vai causar uma recessão que pode levar anos para ser superada. Milhões de americanos vão perder seus empregos, suas poupanças, suas casas”, declarou, por sua vez, uma senadora do Partido Democrata. “O Trump está repetindo a receita do nacional-desenvolvimentismo que fracassou na América Latina”, pontificou um crítico do presidente americano na região.

A ira anti-Trump, alavancada pela oposição democrata e pela esquerda internacional, que o consideram como inimigo número um de suas bandeiras globalistas e identitárias, contagiou também os liberais, no sentido brasileiro do termo e não no adotado nos Estados Unidos, onde é usado como sinônimo de “progressismo”, contrariados com suas ações protecionistas.

Até integrantes do Partido Republicano – que era uma trincheira de defesa do livre comércio antes de ser dominado pelo nacional-populismo trumpista – engrossaram o coro. O aumento da taxação das importações, segundo o grupo, vai representar na prática uma elevação de impostos e produzir efeitos tóxicos na economia americana, como a redução da concorrência externa e a inflação.

“As tarifas são um erro terrível”, afirmou o senador libertário Rand Paul, em discurso no Senado, ao defender a proposta de que mudanças tarifárias que afetem o comércio exterior do país tenham de ar pelo crivo do Congresso, antes de entrar em vigor. “Eu não tenho um sentimento ruim em relação ao presidente, mas esta é uma questão na qual não estou sozinho.”

Diante da reação que o “tarifaço” de Trump provocou, é difícil imaginar que ele faça algum sentido. Ainda mais quando se leva em conta a contribuição que a abertura comercial deu ao longo do tempo para o desenvolvimento dos próprios Estados Unidos, um dos países mais abertos até agora à concorrência internacional, e para outras nações que a adotaram. Nem o próprio Trump, na verdade, conseguiu explicar direito este paradoxo.

Mas, por mais bizarro que possa parecer para muita gente boa por aí, há um integrante do primeiro escalão do governo Trump, com certa credibilidade no mundo dos negócios e na academia, que tem procurado mostrar que a fúria tarifária do chefe e suas demais propostas para a economia “têm lógica” e que sua gestão não é um trem desgovernado que vai levar o país e o mundo ao abismo. Pode-se gostar ou não do enredo que ele apresenta, mas ao menos ele tem conseguido colocar certa ordem no caos, ao abordar as medidas anunciadas pelo presidente americano de forma mais técnica e menos ideológica.

Ainda há certa desconfiança em relação ao real alinhamento de Bessent com as propostas de Trump por parte de alguns de seus colaboradores, correligionários e apoiadores, em razão de ele ter trabalhado por 15 anos, em duas agens, na Soros Fund Management, a empresa de gestão de recursos do megainvestidor George Soros. Pelas contribuições bilionárias que faz para o Partido Democrata e para ONGs “progressistas” em todo o mundo, por meio de sua fundação, a Open Society, Soros é abominado pelos conservadores e visto como um dos principais oponentes da agenda “de direita” do presidente americano.

(Como responsável pelo escritório de Soros em Londres, no início dos anos 1990, Bessent teve participação decisiva na operação contra a libra esterlina que “quebrou” o Banco da Inglaterra e obrigou o Reino Unido a deixar o Sistema de Taxa de Câmbio Europeu, o ERMI, na sigla em inglês. A operação, que gerou um lucro de US$ 1 bilhão em valores da época, teve grande destaque no noticiário internacional e entrou para os anais do mercado financeiro global.)

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Além de ter trabalhado com Soros, ele também fez contribuições para candidatos democratas, como o ex-presidente Barack Obama e a ex-secretária de Estado e ex-primeira-dama americana Hillary Clinton, embora de valores relativamente baixos, antes de mergulhar de cabeça na campanha de Trump em 2024. Isso não impediu Trump, porém, de o acolher como um de seus conselheiros para a economia na campanha. Nem de o escolher depois para fazer parte de sua equipe, como aconteceu com o empresário Elon Musk, seu fiel escudeiro, também ex-doador da legenda, e os ex-democratas Robert F. Kennedy Jr., nomeado como secretário de Saúde e Serviços Humanos, e a ex-deputada Tulsi Gabbard, nomeada diretora de Inteligência Nacional.

Durante a crise gerada pelo “tarifaço”, anunciado em 2 de abril, chamado por Trump de o “Dia da Libertação”, Bessent conquistou pontos preciosos com o chefe, pela desenvoltura que mostrou ao atuar como “bombeiro” e fazer o meio de campo entre o governo e os “tubarões” do mercado. De acordo com informações divulgadas na ocasião, os dois integrantes da equipe de Trump dedicados diretamente à política comercial – o secretário de Comércio, Howard Lutnick, e principalmente Peter Navarro, assessor do presidente para questões tarifárias, considerado como o principal arquiteto da medida – perderam espaço para Bessent, em decorrência da repercussão negativa da medida.

Embora não tenha participado da formatação do “tarifaço”, ele foi escalado por Trump para explicar sua revisão aos jornalistas, com o aumento da alíquota dos produtos da China e a diminuição da taxação dos demais países, apenas uma semana depois do seu anúncio. E, no fim de semana que precedeu a reviravolta de Trump, ele ou longas horas com o presidente em seu resort Mar-a-Lago, na Flórida, o que levou alguns analistas a apontar a sua possível influência na mudança.

Na entrevista coletiva, realizada nos jardins da Casa Branca, ele negou que a decisão representasse um recuo, provavelmente para “preservar” o presidente, que se envolveu diretamente no “tarifaço”, e afirmou que ela “não teve nada a ver com o mercado” e era parte da estratégia de Trump desde o princípio, para trazer o pessoal para a mesa de negociações. Disse também que tal objetivo já havia sido alcançado, já que mais de 70 países tinham procurado o governo americano para equacionar a questão, entre eles o Japão, a Coreia do Sul, a Índia, o Vietnã e a Argentina.

Sua versão não impediu que a revisão do “tarifaço” ficasse marcada como uma trapalhada máster. No entanto, seu envolvimento direto na questão, considerada um dos pilares da política econômica de Trump, foi fundamental para evitar, dentro do possível, que o estrago fosse ainda maior. Também ajudou os apoiadores de Trump a celebrar nas redes sociais sua “genialidade” como negociador, ligando a narrativa de Bessent às ideias que o presidente expressou no livro A arte da negociação, publicado em 1987. No livro, ele diz que, para ter sucesso em qualquer transação, é preciso fazer propostas absurdas na largada, que você sabe que não serão aceitas pela outra parte, para no fim ainda conseguir um acordo que lhe seja favorável.

“Nós ficamos impressionados com a resposta da maioria de nossos aliados, que querem vir (aqui) e negociar de boa fé. Então, nós estamos esperando que eles venham, com as suas melhores propostas”, afirmou o secretário do Tesouro na coletiva. “Como eu disse uma semana atrás, não faça retaliações e você será premiado. A China é o maior infrator do sistema de comércio global e foi o único país que retaliou”, acrescentou, ao justificar o novo aumento de tarifas imposto ao país, de 145% no total, em represália à decisão de Pequim de subir a taxação de produtos americanos para 84% (e posteriormente para 125%), entre outras medidas retaliatórias, após o anúncio do “tarifaço” original.

Ao contrário do que afirmam os críticos de Trump, que enxergam nas medidas tarifárias uma iniciativa estapafúrdia de voltar aos tempos do mercantilismo, o sistema que vigorou entre os séculos 15 e 18 e foi marcado pelo protecionismo, ele diz que os aumentos de alíquotas são temporários. A tendência, segundo Bessent, é de que eles diminuam à medida que sejam fechados novos acordos comerciais com os diferentes países, em bases mais favoráveis do que as atuais, consideradas prejudiciais à indústria americana, por envolver tarifas mais altas do que as cobradas pelos Estados Unidos.

“Eu sempre digo para todo mundo – e eles não querem escutar – que o cara original das tarifas foi Alexander Hamilton (um dos ‘pais fundadores’ dos EUA e primeiro secretário do Tesouro do país, de 1789 a 1795). Ele usava as tarifas como fonte de arrecadação, para financiar a nova nação, e como proteção à indústria americana. O presidente Trump acrescentou uma terceira perna a esta equação – ele usa as tarifas para negociar”, declarou Bessent em entrevista ao jornalista conservador Tucker Carlson, ex-âncora do canal Fox News e hoje dono de seu próprio canal no YouTube, com 4 milhões de seguidores.

“Se nós formos bem-sucedidos (nas negociações), acho que as tarifas serão, de certa forma, como um cubo de gelo derretendo”, disse em outra entrevista, para a CNBC, rede de TV voltada principalmente para temas econômicos. “Eu quero deixar claro uma coisa: ‘América Primeiro’ não significa América sozinha. Ao contrário. É um chamado para uma colaboração mais profunda e o respeito mútuo entre parceiros comerciais”, declarou em palestra no Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês), uma associação global de instituições financeiras, com sede em Washington.

O secretário do Tesouro americano acredita, no entanto, que as negociações deverão ser longas, com muitos avanços e retrocessos, por envolver uma série de fatores que afetam o comércio entre os países. Ele afirma que, enquanto os acordos não saírem, as empresas que quiserem evitar as tarifas mais altas realizando a produção localmente terão tempo para nacionalizar as cadeias de suprimentos, hoje instaladas no exterior, principalmente na China, e para construir novas plantas industriais no país, gerando empregos para os trabalhadores americanos.

“Há as tarifas, mas a literatura acadêmica mostra que, além delas, há barreiras não tarifárias que são mais difíceis de quantificar, porque são mascaradas, e também manipulação cambial e subsídios para a indústria e para o trabalho. Se eles vierem para a mesa de negociações, acredito que a gente poderá conseguir acordos muito bons, ainda que uma parte das tarifas continue a existir”, disse à CNBC.

“Quando você observa a acumulação desses grandes superávits obtidos por alguns países ao longo do tempo, o que se constata é que não há um sistema de livre comércio. Muitos dos nossos parceiros comerciais, incluindo alguns dos nossos aliados, não têm sido bons parceiros. O presidente Trump acredita no comércio internacional. O que ele quer é ter um comércio justo. O comércio sempre foi livre, mas não foi justo.”

Na sua visão, a China simboliza como nenhum outro país as distorções existentes nas relações comerciais dos Estados Unidos. “A China é a economia mais desbalanceada da história do mundo moderno. E eles são a principal fonte dos problemas americanos”, afirmou Bessant na coletiva realizada na Casa Branca. “Nós nunca vimos nada igual em termos de exportações em relação ao PIB (Produto Interno Bruto) e em relação à população”, disse na entrevista para o jornalista Tucker Carlson.

Ao retaliar as medidas de Trump e entrar numa “guerra comercial” com os Estados Unidos, de acordo com Bessant, a China tem muito mais a perder do que os americanos. Enquanto os Estados Unidos exportaram US$ 143,5 bilhões para a China em 2024, o equivalente a 7,2% do total de suas exportações e a 0,5% do PIB americano, a China exportou US$439 bilhões para os EUA, o que representou 12,5% de suas vendas externas e 2,4% do PIB chinês. Para ele, Trump “quebrou” o modelo de negócios chinês – baseado na exportação de produtos de baixo custo “para subsidiá-los para o resto do mundo” – com o aumento de tarifas.

“Eu acho que essa retaliação é um grande erro, porque eles estão jogando com um par de dois. Nós somos o país com déficit. O que nós vamos perder com a elevação das tarifas chinesas? A gente exporta muito menos para eles do que eles para nós. Então, acredito que essa é uma mão perdida para eles”, disse à CNBC.

“Eles estão numa recessão profunda, ando por uma deflação, e estão tentando sair dela exportando. Quando nós colocamos o muro tarifário, essas exportações já estavam indo para o resto do G7 (grupo das sete maiores economias do mundo, além da União Europeia) e para o sul global. Então, eu acredito que especialmente agora, dado o excesso de capacidade deles, os fabricantes chineses vão acabar ‘engolindo’ boa parte das tarifas”, afirmou à agência Bloomberg.

Ao analisar o caso da China antes de assumir o cargo, quando comandava sua própria gestora de investimentos, a Key Square, criada depois que ele deixou a empresa de Soros, em 2015, e da qual se desligou ao entrar no governo, Bessent fez duas afirmações sobre o atual regime chinês que continuam válidas e sinalizam o quanto as medidas de Trump podem afetar o país.

“Quando Xi Jinping (presidente chinês e secretário-geral do Partido Comunista) assumiu, a mistura comunista-capitalista muito incomum que tirou a China da era das trevas e a trouxe para o mundo moderno acabou. Agora, vemos que eles migraram para uma economia mais de comando e controle”, disse ao podcast Money Maze, voltado para o mercado financeiro, no fim de 2023.

“Eu tenho a forte impressão de que a China tem agido taticamente para estabilizar a economia, mas Xi Jinping é um tipo diferente do que vimos no início dos anos 2000 até 2012 ou 2013, com um capitalismo com características chinesas ou um comunismo com características capitalistas. Ele é um leninista e não vai aceitar um ajuste de mercado que permita à economia chinesa ser sustentável”, afirmou ao Capital Allocators, um outro podcast dedicado às finanças, no dia das eleições presidenciais americanas, em 5 de novembro do ano ado.

Apesar de o impacto do aumento de tarifas no comércio internacional e na economia americana ter concentrado boa parte da atenção dos analistas até agora, Bessent diz que a medida vai além disso e deverá contribuir para forjar uma nova ordem econômica mundial e para reposicionar os Estados Unidos no tabuleiro geopolítico, especialmente em relação à China, hoje o principal rival econômico, político e militar do país.

Bessent, que se especializou em investimentos macroeconômicos globais (uma estratégia que leva em conta as grandes tendências econômicas e geopolíticas), dando tacadas bilionárias nos mercados futuros e de opções de moedas, taxas de juro e ações, conta que uma das razões que o levaram a sair da sombra e a ter um papel mais ativo na política ao lado de Trump foi justamente a percepção de que o mundo estava no limiar de uma grande transformação nas relações comerciais e de segurança entre os países, bem como seu desejo de participar, de alguma forma, das discussões sobre o novo modelo que deverá surgir daqui para a frente.

“Como historiador econômico e alguém que está no mercado há 40 anos, acredito que estamos num momento geopolítico único. E posso ver que, nos próximos anos, teremos um grande realinhamento econômico global, algo equivalente a um novo Bretton Woods (acordo firmado em 1944 que forjou o sistema monetário internacional do pós-guerra e vigorou até 1973) ou, se quisermos ir mais para trás, algo como o Tratado de Versalhes (acordo de paz que selou o fim da Primeira Guerra Mundial)”, disse Bessent quando já estava envolvido na campanha de Trump, em evento realizado no Manhattan Institute, uma organização voltada para o estímulo à concorrência, ao empreendedorismo e à responsabilidade fiscal, em junho do ano ado.

“Acredito que há uma grande probabilidade de isso acontecer nos próximos quatro anos. A gente precisa ter um regresso aos anos 1980 e até aos anos 1990, quando havia uma correlação em larga escala entre a moeda, a situação fiscal e a política monetária. Eu estudei isso a vida toda e queria fazer parte desse processo.”

Na avaliação de Bessent, que reflete a posição de Trump e de muitos de seus correligionários e apoiadores, a China vem usando sua hegemonia na manufatura, obtida com manipulações cambiais, barreiras tarifárias e não tarifárias, desrespeito à propriedade intelectual, salários baixos (até pouco tempo atrás) e o uso de países vizinhos para burlar eventuais entraves às suas exportações, para ampliar seus investimentos na área militar e a sua influência no mundo.

Segundo ele, a situação atual da indústria americana, que perdeu 5 milhões de empregos desde o início dos anos 2000, quando a China entrou na OMC (Organização Mundial do Comércio), representa um risco concreto para a segurança dos Estados Unidos e coloca o país em desvantagem no caso de uma guerra entre potências, já que, nessas oportunidades, as fábricas civis costumam ser adaptadas para fins militares.

“A próxima geração de política econômica internacional deve ligar de forma mais próxima a segurança e as relações econômicas para entregar os benefícios que o livre comércio verdadeiro pode trazer”, disse em artigo publicado na revista The Economist pouco antes das eleições americanas, quando já era um dos nomes mais cotados para ser o secretário do Tesouro em caso de vitória de Trump.

“A experiência da globalização (impulsionada pelos governos liberalizantes de Ronald Reagan nos Estados Unidos e Margaret Thatcher no Reino Unido, nos anos 1980) demonstrou deficiências nas duas principais teorias que motivaram seus defensores. A primeira era que, ao abrir seus mercados ao mundo e, assim, promover a cooperação econômica, os Estados Unidos fortaleceriam sua segurança nacional”, acrescentou. “Esta teoria de integração produziu resultados ambíguos. A abertura dos mercados americanos aos países europeus e ao Japão após a Segunda Guerra Mundial os ajudou a reconstruir suas economias e os transformou em nossos aliados cruciais em termos de segurança. Mas a integração com rivais, como a China, criou vulnerabilidades. O aumento da prosperidade chinesa consolidou, de várias formas, o poder do Partido Comunista Chinês, em vez de moderá-lo. As cadeias de suprimentos globais também deram ao PCC uma ferramenta geopolítica para perturbar as economias de outros países, retendo insumos essenciais.”

De acordo com Bessent, a possibilidade de a China invadir Taiwan, o maior produtor mundial de chips e responsável por boa parte dos processadores de ponta usados em dispositivos eletrônicos, em mísseis e em outros armamentos e equipamentos militares, é preocupante. Não é por acaso que os Estados Unidos estão negociando um acordo de coprodução de chips com Taiwan, que deve ser finalizado até junho, conforme as previsões oficiais. Ainda que a tendência seja de o governo americano reagir a uma eventual invasão de Taiwan por meio de sanções econômicas, para evitar um conflito de consequências imprevisíveis, a garantia de suprimentos tecnológicos para uso civil e militar é considerada uma questão estratégica para o país.

“A China aumentou suas incursões no espaço aéreo e marítimo de Taiwan e elevou o nível de retórica agressiva, recusando-se a renunciar ao uso da força para a reunificação”, escreveu Besssant num artigo sobre o legado do ex-líder japonês Shinzo Abe, publicado pela revista International Economy em 2022.

“Nós estamos preocupados porque eles vêm acumulando estoques de petróleo importado. Se você está se preparando para a guerra, vai precisar de energia, de alimentos e provavelmente vai vender os títulos do Tesouro americano que você tem”, afirmou ao podcast Money Maze, referindo-se às operações que a China vem realizando há anos para diminuir o total de títulos públicos dos Estados Unidos em suas reservas internacionais, ao mesmo tempo em que tem feito compras significativas de ouro no mercado.

É neste cenário sinistro, conforme Bessent, que se insere também a busca dos Estados Unidos por novos fornecedores de minerais estratégicos, como o lítio, o grafite e o cobalto, e os chamados “elementos de terras raras”, como o neodímio e o térbio, usados em smartphones, baterias de carros elétricos, turbinas eólicas e em misseis e outros equipamentos militares, dos quais os americanos se tornaram fortemente dependentes da China. É isso que explica o acordo fechado com a Ucrânia para exploração de terras raras, anunciado no fim de abril, e as bravatas de Trump sobre uma possível anexação da Groenlândia e do Canadá, que possuem grandes reservas de minerais críticos.

“(A partir dos anos 1980), entramos numa economia altamente financeirizada. Paramos de fabricar coisas — especialmente muitas coisas relevantes para a segurança nacional. Acho que um dos poucos bons resultados da pandemia foi que tivemos um ‘teste beta’ para o que talvez fosse uma guerra cinética com um grande adversário. E descobriu-se que essas cadeias de suprimentos altamente eficientes não eram estrategicamente seguras. Não fabricamos os nossos próprios medicamentos. Não fabricamos os nossos próprios semicondutores. Não fabricamos mais os nossos próprios navios”, disse ao jornalista Tucker Carlson. “Então, acho que, se alguém perguntasse se houve algum bom resultado da covid, eu diria que foi o fato de ela ter despertado o mundo para esses problemas nas cadeias de suprimentos, para a percepção de que segurança econômica é segurança nacional.”

A determinação de Trump para que o Comitê de Investimento Estrangeiro dos Estados Unidos (CFIUS, na sigla em inglês) restrinja os aportes de fundos de pensão e investidores na China, em áreas consideradas “estratégicas”, como semicondutores, inteligência artificial (IA) e biotecnologia, vai na mesma direção.

O mesmo se pode dizer em relação à sua decisão de ampliar a “lista negra” de empresas chinesas para as quais as exportações americanas são vetadas, por atuarem no desenvolvimento de sistemas de IA, supercomputadores e chips de alta performance usados para fins militares. “Estamos implementando controles de exportação para bens de alto valor relacionados à segurança e controles de capital para uma lista negra de empresas, para não financiar a máquina militar chinesa”, afirmou Bessent em entrevista ao canal Fox Business.

Na sua visão, tudo isso deve levar a uma mudança no eixo da economia americana do setor financeiro para a economia real, especialmente a manufatura. Ou, como ele diz, de Wall Street para a Main Street (Rua Principal). “Nas últimas quatro décadas, Wall Street enriqueceu mais do que nunca. E pode continuar a crescer e a prosperar. Mas, nos próximos quatro anos, será a vez da Main Street. Será a vez da Main Street contratar trabalhadores, impulsionar investimentos, restaurar o sonho americano”, afirmou em evento realizado na American Bankers Association, a entidade que reúne os bancos dos Estados Unidos.

“Durante toda a minha vida adulta, o capital foi tratado melhor do que o trabalho. A Thatcher assumiu em 1979, e o Reagan, em 1980, e a vida continuou melhorando para os donos do capital, com o NAFTA (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio, firmado em 1994) e a OMC (criada em 1995)”, declarou ao podcast Money Maze. “Eu diria que, para os EUA e para o mundo desenvolvido, a minha esperança é de que, se a IA levar a um remanejamento no emprego, a gente possa lidar com isso melhor do que fizemos com o remanejamento do emprego na indústria, para não acabar com uma revolução ludista (referência ao ludismo, movimento operário do século 19 na Inglaterra que era contra a mecanização da produção, promovendo a destruição de máquinas nas fábricas, por acreditar que seu uso levaria ao desemprego generalizado). Esta foi uma longa forma de dizer que nós veremos uma mudança muito natural de modelo, de um excesso de lucros destinados ao capital para o trabalho.”

Ele não parece incomodado com a reação dos investidores às medidas de Trump, em especial ao aumento de tarifas, e ao seu provável impacto na economia. Ao comentar o tombo da Bolsa nos dias que se seguiram ao “tarifaço”, anunciado em 2 de abril, quando o índice S&P 500, que reúne as ações mais líquidas e de maior valor de mercado na Bolsa de Nova York, chegou a cair quase 15%, sob o temor de uma recessão e de uma alta na inflação, Bessent relativizou a queda, dizendo que as oscilações de curto prazo são normais e não tiveram a ver com a medida.

“Estou no ramo de investimentos há mais de 35 anos e posso dizer que correções são saudáveis. São normais. O que não é saudável são esses mercados eufóricos. É assim que se cria uma crise financeira. Teria sido muito mais saudável se alguém tivesse freado (o mercado) em 2006-2007 (antes da crise hipotecária americana). Não teríamos tido os problemas (que tivemos) em 2008. No longo prazo, não estou preocupado com os mercados. Se nós implementarmos uma boa política tributária, a desregulamentação e a segurança energética, os mercados se sairão muito bem”, afirmou à rede NBC.

“Para todos os que pensam que essa queda no mercado ocorreu por causa das políticas econômicas do presidente, posso dizer que ela começou com o anúncio do sistema de IA chinês da DeepSeek. Então, as ações das Mag Seven (as sete maiores e mais influentes empresas de tecnologia do mundo), que foram muito bem por 18 meses, liderando o mercado, começaram a cair”, disse ao jornalista Tucker Carlson. “Eu acho que os Estados Unidos continuarão sendo líderes em IA e que havia uma dose de realidade no que estava acontecendo (antes da queda). Mas, se eu analisasse isso com a minha velha perspectiva de mercado, diria que foi mais um problema das Mag Seven do que das medidas do presidente”.

Na sexta-feira, 2 de maio, após nove pregões seguidos de alta, o que não acontecia desde 2004, o índice S&P 500 havia recuperado as perdas registradas logo após o “tarifaço” e retornado ao nível anterior. Na Nasdaq, que concentra os negócios com ações de empresas de alta tecnologia, o índice Nasdaq Composite apresentava uma alta de 1,5%, no mesmo período. “Dez dias atrás havia uma história que dizia que aquele era o pior abril para o mercado de ações desde a Grande Depressão. E agora eu não vi uma história que diga que o mercado de ações teve a melhor recuperação de todos os tempos”, ironizou Bessant, em publicação no X.

Sobre as possíveis vendas maciças de títulos do Tesouro americano pela China, que teriam contribuído para agitar o mercado e elevar os juros dos papéis, ele diz que não recebeu qualquer informação neste sentido e que inclusive havia ocorrido “um bom leilão” de bônus de 10 anos na ocasião. “Os investidores têm de saber que o mercado de títulos do governo americano é o mais seguro e o mais sólido do mundo”, afirmou, no evento da American Bankers Association.

“Acho que vai contra os interesses da China se desfazer de títulos do Tesouro, porque, se eles fizerem isso, terão de comprar outra coisa, e se venderem dólares vão fortalecer a sua moeda, e na verdade eles estão enfraquecendo sua moeda, o que representa um prejuízo para todo mundo”, disse à Fox Business. “Os títulos de 10 anos, que quase atingiram o pico de 5% ao ano, agora estão com uma taxa pouco acima de 4%. Cada 100 pontos-base representa cerca de US$ 1 trilhão de economia (para o Tesouro). Portanto, economizamos US$ 100 bilhões. Isso provavelmente não vai acontecer tão rápido novamente. Mas acho que as pessoas não precisam dizer: ‘Os Estados Unidos estão fora de controle. Os Estados Unidos vão entrar em default’. Não vamos. E acho que a cada dia isso vai melhorar”, disse a Tucker Carlson.

Embora tenham surgido especulações no mercado de que o governo Trump estaria trabalhando para desvalorizar o dólar, para favorecer o país no comércio externo, com efeitos positivos no déficit comercial, o secretário do Tesouro americano vem reafirmando a intenção de manter a política do dólar forte, que tem predominado nas últimas décadas.

“Ninguém deveria ouvir ninguém nos mercados falando sobre o dólar americano, exceto o presidente Trump e eu. Somos os únicos que falam por este governo sobre a política do dólar. Temos uma política de dólar forte. E estamos colocando todos os ingredientes para garantir que o dólar se mantenha forte no longo prazo. Ele pode subir e descer no curto prazo? Claro. Podem haver movimentos bilaterais entre o dólar e outras moedas? Claro — era com isso que eu ganhava a vida. Mas, com o tempo, se implementarmos fundamentos sólidos (na economia) e seguirmos adiante com essa transformação, o dólar se sairá muito bem — e o povo americano também”, declarou a Tucker Carlson.

“Quando ouço essas histórias de que o dólar não será mais a moeda de reserva e vejo a China disposta a usar o yuan como instrumento de negociação, isso não me parece um ativo de reserva muito bom. Nem os chineses confiam no yuan. 1,4 bilhão de pessoas querem tirar seu dinheiro de lá, mas não podem. Há controles de capital.”

Na contramão do que afirmam muitos analistas e operadores de mercado, Bessent também não parece preocupado com o possível efeito inflacionário que o aumento tarifário terá na economia americana e reforça a sua visão de que, dado o excesso de capacidade dos fabricantes chineses no momento, eles acabarão absorvendo boa parte das novas tarifas, independentemente do nível das alíquotas.

“O que pode acontecer é a gente ter um ajuste único de preços, como a gente viu com Trump 1.0. Na época, com a desregulamentação e outras políticas pró-mercado que ele promoveu, nós ficamos próximos à meta de inflação do Fed (Federal Reserve, o banco central americano)”, disse à agência Bloomberg. “No primeiro mandato do presidente Trump, quando ele aumentou as tarifas sobre produtos chineses, todo mundo dizia ‘ah, as tarifas da China vão causar inflação’. Só que não causaram.”

Mesmo a parcela das tarifas que eventualmente for absorvida pelos preços nos Estados Unidos também não deverá ter um efeito inflacionário significativo, na opinião de Bessent, porque isso deverá ser neutralizado, em boa medida, pela redução dos preços dos combustíveis, que deverá ocorrer com o aumento da produção de petróleo estimulado por Trump, e a redução dos gastos públicos que está em curso, que permitirá o corte sustentável dos juros pelo Fed.

Bessent afirma que a meta é aumentar a produção de petróleo em mais três milhões de barris por dia, o equivalente a cerca de 30% da produção de 2024, nos próximos cinco anos, o que deverá ter forte impacto no controle da inflação. “Eu acredito que, à medida que ficar claro que a agenda do presidente está funcionando, veremos uma boa dose de crescimento não inflacionário”, acrescentou, na entrevista à Bloomberg.

Com os dados oficiais mostrando uma retração de 0,3% no PIB anualizado dos Estados Unidos no primeiro quadrimestre de 2025, pela primeira em três anos, uma possível recessão entrou no radar de muitos investidores, mas ele evitar fazer previsões sobre a questão. “Eu detesto prever coisas desse tipo. Há um período de transição (resultante do ajuste tarifário e da redução dos gastos públicos)”, disse à NBC. “Não me lembro em qual programa eu estava algumas semanas atrás, quando o comentarista me perguntou: ‘Você pode me garantir que não haverá uma recessão?’ E eu disse: ‘Não posso lhe garantir nada. Mas não há nada que me diga que deverá haver uma’”, afirmou a Carlson.

Para amparar sua percepção, o secretário do Tesouro menciona a geração de 177 mil novos empregos no país em abril, de acordo com os dados oficiais divulgados na sexta-feira, 2 de maio. Os números ficaram bem acima das expectativas dos analistas e reforçaram o desempenho positivo do mercado de trabalho registrado em março, o que permitiu a manutenção da taxa de desemprego em 4,2%. Ele diz que o que vem recebendo do setor produtivo também é favorável.

“Posso dizer que há um pouco de incerteza, mas, em geral, os CEOs com quem tenho conversado estão me dizendo que a economia está muito sólida. Tivemos também alguns números de emprego muito bons. Então, acho que estamos em uma situação muito boa” declarou no evento da American Bankers Association.

Ao assistir na TV a um comentário de um empresário dizendo que os Estados Unidos já estavam em recessão, durante entrevista à Fox Business, Bessent atribuiu a responsabilidade pelo quadro atual ao governo Biden. “Acho que o que o CEO pode ter mencionado é que o setor manufatureiro estava em recessão no governo anterior. O que estamos fazendo é o que chamo de reprivatização da economia, por meio de uma desregulamentação bancária inteligente, segura e sólida. (No governo Biden), 80% da criação de empregos ocorreu no setor público e em áreas adjacentes, como educação e saúde. Houve também um enorme volume de gastos do governo. Então, nós estamos controlando o déficit, redimensionando a força de trabalho federal. E eu espero que, à medida que nós controlarmos o orçamento e a inflação e reduzirmos os preços da energia, o setor privado tenha espaço para crescer e os juros de longo prazo caiam.”

Para Bessent, a situação fiscal estava tão crítica quando Trump assumiu o governo que não havia outra opção além do corte de gastos e da redução do déficit nas contas públicas. “Se a gente tivesse mantido aqueles gastos governamentais massivos que tivemos, posso garantir que haveria uma crise financeira. Era algo insustentável”, afirmou à NBC.