
O lugar do vinho 10693g
Quem gosta de vinho sempre acha uma ocasião para beber aquela tacinha que cai tão bem. Na varanda, no happy hour do escritório, na beira da piscina, na praia ou na montanha, faça chuva ou faça sol. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer. b6z1d
Essa bebida pode mesmo se encaixar em muitos momentos – e merece aplausos quando sai dos lugares mais formais e vai para ocasiões simples e despretensiosas do dia-a-dia. Contudo, por mais flexível que seu consumo possa ser, ainda assim o vinho tem sim o seu lugar de excelência: a mesa de refeições.
A facilidade do vinho para acompanhar – e melhorar – inúmeros pratos não tem paralelo em nenhuma outra bebida, nem mesmo na cerveja e muito menos nos destilados (pronto, falei). Não tem jeito. Vinho nasceu para comida e vice-versa.
Se você começou a apreciar vinhos de uma maneira mais atenta há pouco tempo, não perca a oportunidade de unir essa bebida com seus pratos prediletos. Quando acontece a mágica da harmonização, a experiência gastronômica sobe de patamar.
E nada disso precisa ser esnobe, nada precisa ser pretensioso. Não há necessidade de restaurantes estrelados ou de rótulos cult e caros.
Quando penso nisso, lembro de quando visitei a cantina Roberto Tatini – há muitos anos já --, na cidadezinha de Sapucaí Mirim, no Sul de Minas Gerais, quase divisa com São Paulo. Fica a um pulo de Campos do Jordão, destino de referência dos turistas paulistas tão logo os termômetros acusam alguns graus a menos. Mas pouca gente que visita a região da Serra da Mantiqueira espicha o eio até lá, porque Sapucaí Mirim, coitada, não tem sombra do charme de sua vizinha mais requintada e esnobe.
A cantina não está no centro de Sapucaí Mirim. Está na periferia. Enquanto dirigia por ruas de terra cercadas de pastos ou de esparsas casas em construção, comecei a desconfiar que a indicação que tive para ir lá era uma roubada. Não era.
Fui recebido com um sorriso cordial por Roberto Tatini e sua família. Roberto largou sua cantina de São Paulo e foi viver ali. Largou São Paulo, bem entendido. A cantina, felizmente, foi com ele. Visitamos a cozinha. Tudo simples, velho, bagunçado -- e adorável. as empilhadas por lavar. Um pão que acabara de sair do forno perfumava o ambiente. Não havia cardápio. Roberto servia o que estivesse cozinhando no dia. Pedi a carta de vinhos. Não havia, ou Roberto não quis trazer. "Tome este, você vai gostar", disse, abrindo uma garrafa de um toscano simplezinho, simplezinho.
Numa degustação, que nota teria aquele vinho? Não sei. Não era nada sensacional do ponto de vista objetivo. Mas que bom que existe a subjetividade. Ali, naquele momento, era o melhor que podia haver. O vinho harmonizava não só com os pratos. Harmonizava com a taça de vidro igualmente simples, com a mesa de madeira rústica, com a ampla casa de telha vã e tijolo aparente. Com o cheiro de tempero que vinha da cozinha. Com a vontade de dar uma desligada da correria e até da pretensa sofisticação que a vida em São Paulo -- ou em qualquer grande cidade -- costuma ter.
Veio a comida. Primeiro, o pão feito ali mesmo com um antepasto de pimentão. Mais um instante e aparece Roberto com um punhado de temperos que foi apanhar no quintal. Depois, uma massa verde com queijo mascarpone e presunto cru. Coisa séria. Um talharine à bolonhesa. Um cordeiro, comprado de alguém que cria na região.
E o toscaninho escoltando a comida -- comida grandiosa porque simples, honesta. É isso que se espera de uma cantina, suponho.
Primeira moral da história: o vinho pode ser bom em muitos momentos, mas é a mesa de refeições o seu lugar acima de qualquer outro.
Segunda moral da história: o vinho e a comida devem ser entendidos como uma experiência completa. O contexto, o ambiente - isso conta. Sorte de quem sabe assimilar o espírito de cada ocasião. Há momentos para o requinte e para a simplicidade. Note bem: simplicidade.
Simples não quer dizer ruim. São coisas bem diferentes. Quem não sabe disso perde. Quem sabe terá um prazer gastronômico que é negado aos esnobes, por mais dinheiro que tenham.